Estava no gozo de uns retemperadores dias de férias, quando, na passada semana, me vejo confrontado com uma "grande entrevista" à senhora dona Zita Seabra. Comecei a perceber que a senhora não tinha feito nada de novo, nem de extraordinário, mas tinha direito à dita "grande entrevista" por causa de um passado longínquo... e inexplicável. Agora é que ela vai pôr tudo em pratos limpos!
Algo surpreendido, deixei-me ficar a ouvir. É evidente que surpreendido, porque se depois de ter deixado o PCP há muitos anos, se inscreveu no PSD, já foi vereadora por esse Partido na Câmara de Vila Franca de Xira, é agora deputada social-democrata e tem - diz-se - a actividade profissional de editora, vem agora editar um livro dedicado ao PCP ?!... Não haverá nenhum feito recente, uma causa que valha a pena, uma proposta ou projecto com futuro ou para o futuro? Só tem passado ?
Ainda pensei que podia ser manobra televisiva para chamar a atenção dos telespectadores e que a senhora se dedicaria a falar sobre, sei lá, um passado mais recente que fosse.
Mas não, assumiu mesmo o papel de dissidente profissional, ou seja, faça a senhora o que fizer no passado recente, no presente ou no futuro, será sempre consultada em matérias de dissidência. É uma especialista, uma profissional. E não uma dissidente qualquer, uma dissidente do PCP, o que confere um cunho especialíssimo à especialidade. Efectivamente, a comunicação social e os seus critérios são às vezes uma verdadeira delícia.
Bom, mas lá ouvi (não tive paciência para ouvir tudo e já digo porquê) umas quantas meias verdades, para sustentar a sua posição e o seu "profissionalismo", como a excelente tirada de que sempre se opôs à unificação da UEC com a UJC, mas sem explicar as verdadeiras razões porque se opôs. Alguém se lembra de que a senhora, após a unificação ficou sem o protagonismo que tinha na UEC ?!... Será uma explicação bem mais prosaica, mas talvez bem mais realista, não?!
Mas o que me implodiu a paciência foi o conto de fadas que ali levou com tanta candura e que se pode resumir na seguinte fórmula: "Era uma vez... estava tão entregue à causa, tão entregue à causa, que era uma verdadeira escrava. Não sabia que fora da cozinha escura onde a madrasta má e as irmãs péssimas a encerraram, também havia mundo, vida, passarinhos e... só um dia em que encarou com um princípe encantado e experimentou o sapatinho, foi libertada do jugo opressor da bafienta cozinha, para o mundo, a vida e a mais completa liberdade. Casou e foi muito feliz para o resto da vida...". (onde é que eu já ouvi/li isto?)
Arre porra, que não há pachorra para estas tretas. (foi aqui que passei para o canal do lado, como bem se percebe)
Mais, a senhora dona, de quem se diz que é editora, deveria ter o sentido ético e profissional de não nos vir vender como uma história nova, a velhíssima história da Cinderela, recauchetada de Zitarela. Como a maioria das cópias e plágios, é a mesma história em pior. Acha que somos todos parvos ou é preciso uma ajudinha do "povo" para evitar a falência de alguma editora ?
Justifica-se perguntar: estamos perante uma Zitarela da vida quotidiana, uma editora aflita ou uma profissional da dissidência que nos conta histórias como se fossemos bébés de embalar?
1 comentário:
Mais uma vez tive o privilégio de ver, na SIC, uma entrevista com essa figura de relevo do nosso Portugal que dá pelo nome de Zita Seabra.
Tanto destaque nas televisões não é de estranhar, uma vez que estamos perante uma pérola da literatura portuguesa e, também, perante alguém que, finalmente, trouxe luz à história recente do nosso país.
Diz a senhora, agora completamente anti-comunista, que mesmo os poucos aspectos positivos conseguidos por essa ideologia não justificam os milhões de mortos provocados por ela.
Sendo certo que quanto ao primado da vida humana estamos certamente todos de acordo, fica por esclarecer se a senhora tem alguma noção dos milhões de mortos, miseráveis e excluídos, sob todas as formas, em que assentou e assenta o capitalismo.
Mário Crespo, o entrevistador, esqueceu-se de confrontar a senhora com o facto de até mesmo alguns dos que como ela abandonaram o partido, não se reverem em grande parte dos factos relatados no livro e, nalguns casos, terem mesmo exigido desmentidos.
Do que ouvi, fico com a sensação de que se trata sobretudo de uma tentativa de denegrir a imagem de alguém que, por impossibilidade manifesta já que morreu, não pode exercer o contraditório. No entanto isto também faz sentido, já que seria desolador para a D. Zita ter escrito este livro em vida do dito e o mesmo, julgo eu, não perder um minuto a responder-lhe.
Finalmente o jornalista mostra o livro, diz qual é a editora e esqueceu-se (acontece) de revelar o "parentesco" entre a autora e a dita cuja editora.
Com uma voz quase terna Mário Crespo diz a Zita que em seguida vai querer um autógrafo. Pudera, se eu tivesse em meu poder um tamanho falseamento da verdade também quereria provas irrefutáveis de quem tinha sido o autor.
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